sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O cara do número 07


Shopping lotado. Fiz meu pedido e aguardei. Meu pedido era o número 11. Anotei mentalmente: sou o número 11.

Impaciente. Vejo a mocinha com gorro monocromático andar de um lado a outro preparando os pratos. Aperta um botão e no painel aparece: 07.

Fiquei esperando enquanto a luz piscava intermitente, 07..07..07. Ele não vinha. Não podia, é certo, chamar a isso de mistério.

Não.

Conan Doyle não me perdoaria.

No entanto, o caso era curioso.

Onde está o número 07? Talvez caído em algum beco. No fundo de uma loja. Os pedaços cortados e separados em caixas de sapato tamanho especial.

Não.

Exagero.

Nem Tarantino pensaria em tanto sangue.

Ele não veio.

O prato esfriava em cima do balcão.

Não tive curiosidade em ver o pedido. Seria muito mórbido de minha parte ter apetite pelo prato do talvez falecido.

Me contive.

A mocinha do gorro monocromático não se importava. O prato esfriava. Será que ele esqueceu? Talvez, apressado e distraído, tenha feito pedido em outro lugar. Talvez tenha desistido.

Talvez esteja morto mesmo sentado em alguma mesa e ninguém notou. Certamente alguns adolescentes ririam do homem supostamente dormindo na mesa ao lado e seriam percorridos por um sentimento de predestinação quando assistissem o jornal do dia seguinte noticiando o encontro do corpo. Sussuriam para si mesmos: eu como um cheese burger do lado de um morto.

Fosse quem fosse o número 07, sem dúvida era homem. Meia idade. Coisa de feeling: eu sabia que era.

No painel aparece o número 11. Vou. Como e o número 07 não aparece. Saio pensando o que a mulher do gorro monocromático diria se eu voltasse no outro dia e perguntasse sobre o número 07.

- Número 07? Nunca existiu número 07.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Para que a escrita nos salve


Porque escrever está ligado a caráter, até. Não me parece possível que um babaca completo seja um escritor pois há qualquer coisa de digno na escrita. A afirmação é deveras perigosa porque não são poucos os escritores que foram estranhos, esquisitos, fracassados, que deram provas de irremediável falta de caráter. E talvez a ambiguidade resida na própria escrita pois não me parece tampouco que a escrita se eleve a esse grau olímpico. A escrita é, por natureza, marginalizada (o simbolismo foi e sempre será o calcanhar de Aquiles da literatura).


A falta de caráter é uma questão apenas cultural. 
A falta de caráter é apenas cultural?

Ser estranho, esquisito e fracassado pode ser uma questão de prisma. O eterno “segundo quem?”. Seja como for, que se cultive a escrita. As pessoas me parecem melhores quando escrevem.