sexta-feira, 11 de maio de 2012

Nara

Sentadas na sala, tocava o playlist de sempre: a mescla entre Los Hermanos, Raul Seixas e Cazuza.

Dai: - Você não acha uma besteira as pessoas falarem que nasceram na época errada?
Nara: - Como assim?
Dai: - Essa coisa de, por exemplo, ouvir música da década de 80 e achar que deveria ter nascido nessa época? Sei lá, acho que a gente pelo menos nasce na época que tem que nascer. Nascer 20 anos atrasado é síndrome de inglês.


Riem.

Nara- Ah, Dai, acho que é uma questão de pertencimento. Não é que as pessoas acham que seriam mais felizes nascendo em outra época, mas pelo menos acham que partilhariam mais dos valores mais partilhados, entende?
Dai: - Acho que sim.

Ambas tomam o vinho barato que dividiram em copos que eram embalagem de requeijão.

Nara: - Você sabe assoviar? Eu queria saber assoviar a introdução da música Doce Solidão, mas não consigo.

Fala distraída enquanto olha a gradação de roxo que o balançar do vinho faz no copo.

Dai: - Queria tomar uma tequila.

Olha para Nara e diz: Você devia ler Travessuras de uma menina má. Tem a ver com você. "Deve ter a ver com todas nós - gente como a gente", pensa Nara.

Se olham e entendem. Você vai gostar, diz Dai.


Dai: - Lembra daquele cara que te falei? Acho que tô conseguindo parar de pensar nele.
Nara: - Mesmo? Por quê?
Dai: - Porque percebi que estava sendo arrogante.
Nara: - Como arrogante se você sempre se entregou?
Dai: - Eu percebi que sempre aceito o pior e melhor de todos, porque acho que é isso que a gente é: um apanhado de coisas incompatíveis. Daí acho que o erro, o desvio, a incapacidade, tudo faz parte, porque somos falhos mesmo, mas também somos assertivos. E assim que é bonito. Porque por mais que a gente ache que não, o amor é um "amar apesar de".
Nara: - Mas e aí?
Dai: - E aí que eu estava sendo egoísta em achar que tudo bem se a outra pessoa não entendesse isso que eu entendo. Que não soubesse me amar 'apesar de' e 'exatamente por isso'. Um puta egoísmo, não? Não deixar que o outro atinja a maturidade e continue sendo medíocre. Se eu sou capaz de ver o bom das pessoas tenho que ser capaz e 'exigir' que a pessoa que esteja comigo faça o mesmo.
Nara: - Faz sentido.

Tomam outro gole.

Nara:  - Dai, você acha mesmo que ser feliz é uma questão de ser?
Dai: - Acho sim, olha a gente sendo.


quarta-feira, 2 de maio de 2012

Meu ódio dura pouco, meu amor também

É um certo relapso. Não somente com os outros, que não seria menos grave, mas é um desleixo com si mesma. Se o ruim nunca é ruim o bastante, como o bom pode ser? 

É um tipo de desistência. A indiferença nos torna apáticos, descrentes, desmotivados e melancólicos. 

É um tipo de inércia. Você não troca as flores mortas dos vasos. Não abre a cortina. Não deixa a música ecoar. Não há cheiro de alho fritando no azeite.

É um desastre. Não há mais suspiro. Brilho nos olhos. Hidrante no corpo. Presilha nos cabelos. O amor se foi, até mesmo o próprio.


(ouvindo)